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Soldados da missão brasileira no Haiti relatam cotidiano de horror

“Até parece que esse nome é para tranqüilizar as pessoas no Brasil. Na verdade, não há dia em que as tropas da ONU não matem um haitiano em troca de tiros. Eu mesmo, com certeza, matei dois. Outros, eu não voltei para ver”. O soldado não tem remorso: “Chora a mãe dele, não a minha”, diz.


Essas foram as declarações dadas, de um dos  seis soldados brasileiros que passaram um semestre no Haiti, na maior missão de paz já enviada pelo Brasil ao exterior, para a repórter da Folha de São Paulo, no domingo, dia 29.


Em duas horas de entrevista para a repórter, os rapazes dizem que o nome “missão de paz” dá uma impressão errada sobre o que está acontecendo no Haiti. Um soldado explica o ponto de vista dos demais. Os militares contam que cada vez que um soldado sai em patrulha leva seu fuzil FAL e quatro carregadores de 20 tiros. Como os confrontos com gangues são rotineiros, é comum os soldados voltarem sem parte da munição.


“Só quando acontece alguma coisa excepcional é que a gente declara que matou. Comigo, nunca aconteceu essa tal coisa excepcional. Quando voltava sem parte da munição, dizia ter trocado tiros, não atingindo ninguém, e os S-2 [oficiais da inteligência] deixavam por isso mesmo.”


O grupo mostra fotos e mais fotos de cadáveres. Estão jogados pelas ruas transformadas em lixões a céu aberto de Porto Príncipe. Boa parte está decapitada (costume dos bandos). Cães aparecem disputando a carniça. Há uma série de fotos de um cadáver que primeiro aparece sem cabeça. Com os dias passando, o corpo incha ao mesmo tempo que mingua. Cachorros devoram-lhe a caixa torácica, então uma perna, um braço, outro e outro e resta a carcaça. Cabe à Polícia Nacional Haitiana recolher os corpos. Mas o trabalho demora às vezes mais de semana para ser realizado.


 De volta ao Brasil, todos os soldados passaram uma semana de quarentena. Depois de examinados para malária, dengue, tifo, HIV e distúrbios psicológicos, e de ser advertidos (de novo) de que não deveriam divulgar fatos militares ocorridos no Haiti.


Todos os entrevistados disseram que voltariam ao Haiti. O caso de um rapaz que voltou com saldo de R$ 10 mil no banco, um laptop, uma câmera digital Sony Cybershot de 5,2 megapixels e ainda com fama de herói no bairro explica o desejo coletivo.
A poupança cresceu graças à complementação do soldo. Quando em missão de paz, um soldado que no Brasil ganha pouco mais de R$ 500 por mês passa a receber quase R$ 2.700

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